Ela vem. Ela passa por mim. Sinto seu cheiro. Doce. Ela não me olha. Ela some na multidão. Na direção do sol. Linda. Muito Linda. Olhos de um mel brilhante, um cabelo liso até as costas. Uma cintura ondulada. Pernas compridas, longas. Ela se encosta na parede com uma das mãos nas costas. A outra segura um cigarro. Ela olha para cima, solta a fumaça. Ela tem todo o tempo do mundo. Me perdoe descrevê-la dessa forma, mas acho que estou meio tonto por causa do whisky e a chuva embaça a minha visão. Logo vou para casa. Já disse uma vez, não estou aqui para falar de amor, garota! Quero lhe contar sobre a vida. Sim, a vida, porra! Presta atenção. Você já acordou no meio da noite, olhou o seu quarto, escuro, e se perguntou o que havia ali naquele espaço? Eu acordei assim essa noite. E na noite anterior também. Não ri, garota! Serve mais whisky, antes que o copo esvazie. E presta atenção. Na noite anterior, eu olhei pela janela e, droga garota, não vi nada de mais. Carros. Pessoas. Aviões. Pessoas. Chuva. Ah! Como chove em São Paulo. O quê? Você quer que eu te escute mais? Escutar o quê, gata? Você só sabe falar das suas amizades hipócritas e suas roupas etiquetadas e suas conquistas que têm valor algum para mim. Escuta aqui, menina, eu to cansado de ouvir você reclamar da vida desse jeito. Droga, eu to me lixando para suas mágoas de amor. Esse seu remorço com as coisas do passado. O passado não existe. Assim como o futuro e o seu status que você tanto se preocupa. O que eu tenho a dizer sobre a sua roupa, gata? Nada abaixo de 100 reais. Aliás, a maioria aqui nesse bar não usa nada abaixo de 100 reais, né gata? E o cabelo? Você alisou. Quase todas as garotas aqui também fizeram isso. Qual seu problema, ein garota? Auto-estima? Eu sei, você precisa ser aceita, né? É o seu troféu. Fique com ele. Mas me deixa com o whisky. Ele vai estar do meu lado amanhã. Ao contrário de você, né gata? Olha, só não me venha falar das suas mágoas denovo. As pessoas estão morrendo de fome, de tédio, de tristeza de verdade. E você aí nessa sua bolha. "Eu-eu-eu-eu". Uma vez, uma bomba-atômica explodiu, sabia? Claro que sabia. Mas o problema não são as bombas-atômicas, minha cara. O problema são as pessoas como você. Que merda você tem na cabeça? E as suas amigas, que merda elas têm na cabeça? Acha que estou errado, não é? Mas e quando acabar esse whisky e eu te colocar contra aquela parede você não fará nada. Não tentará me impedir. É isso que você quer. É isso que importa. Você quer me dominar. Você precisa se sentir poderosa, né gata? O problema não é a bomba. Não é o poder. É o coração, garota. Você usaria uma bomba por poder, assim como usa o seu corpo. Ninguém usa o poder para o bem, gata. Todo mundo sente dó dos que morrem de fome, dos que morrem de bomba-atômica. Mas todos dão 100 reais numa blusa, tá vendo, moça? Olha a seu redor. São todos iguais. Poder. Nada é real. Quase nada. Quase nenhum sorriso é real. Viu só? São tudo negócios. É o jogo do poder. O que me diz, gata? Tá me olhando assim, porque? Minha vez de servir. Meio a meio? Claro que sim.
Eu fico esperando, entende? Eu ando por aí com a minha jaqueta cinza atrás daquela garota solitária. Eu sei que ela deve estar por aí. Debaixo de alguma escada. Escondida. Ela não deixaria o mundo sentir o gosto das suas lágrimas. Ela, assim como eu, não suporta esse cheiro de morte. Entende, garota? Acho que sim. Deixa pra lá. Põe a blusa. Vou te levar pra casa. Hoje vou dormir mais cedo. Amanhã vou acordar junto com a luz do dia. Vou amar loucamente qualquer um que precisar de mim. Vou afagar qualquer dor. Sem pressa. Para onde eu iria? E depois, quando o sol morrer, não me procure, garota, não me procure.
Eu fico esperando, entende? Eu ando por aí com a minha jaqueta cinza atrás daquela garota solitária. Eu sei que ela deve estar por aí. Debaixo de alguma escada. Escondida. Ela não deixaria o mundo sentir o gosto das suas lágrimas. Ela, assim como eu, não suporta esse cheiro de morte. Entende, garota? Acho que sim. Deixa pra lá. Põe a blusa. Vou te levar pra casa. Hoje vou dormir mais cedo. Amanhã vou acordar junto com a luz do dia. Vou amar loucamente qualquer um que precisar de mim. Vou afagar qualquer dor. Sem pressa. Para onde eu iria? E depois, quando o sol morrer, não me procure, garota, não me procure.
3 comentários:
"Escutar o quê, gata? Você só sabe falar das suas amizades hipócritas e suas roupas etiquetadas e suas conquistas que têm valor algum para mim."
Incrível, como sempre. Parabéns Lucas!
É isso ae, Luks. Senti firmeza agora! Muita força, muita literatura!
Abração!
Eureka.. muito bom num tapa, num gole só, eu diria seco, lembrou Caio Fernando Abreu, parabéns , cinema cinema rsr Abraço.
Natan Castro.
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