DORALICE ESTÁ COM DEPRESSÃO
(MÃE) – (preocupada) - Doralice o que esta acontecendo com você? Passa horas nesse quarto, carrancuda, sem sair - a mais de mês você esta... Estranha – ouvindo essas músicas estranhas, sem se alimentar direito, você vai ficar fraca, anêmica... Olha, olha?! Você está pálida... Suas notas na escola não estão muitas boas, com exceção de literatura e português.
Mamãe ainda analisa meu boletim escolar. Que coisa anacrônica pra minha idade.
Não respondia nada (A músicas estranha que ela se refere é rock progressivo). Tinha apenas uma vontade incontrolável de chorar. E chorava no quarto trancado quando ela sai. É raro ela se retirar de casa, quando faz isso, é pra ir pra feira ou fazer algum pagamento e tem a missa de domingo e almoços esporádicos na casa da sua sogra. Não passa mais nesses programas mais de 4 horas, ou seja, ela passa de 20 a 24 horas em casa, ou seja, a maior parte do tempo. Dona de casa exemplar e perfeccionista. Obsessiva. Gosta de tudo brilhando, arrumado e cheiroso, isso tudo no superlativo. Quanto ao meu pai. Não sei muito sobre ele. Sei que é um advogado criminalista e como afirmava “advogar para ladrões, estelionatários, traficantes dava bastante lucro, apesar de ser na metade, uns 50%, são causas perdidas” Sinceramente penso mesmo que meu pai é um cara sem escrúpulos. Mas como ele sempre justificava: “Alguém tem que defender esses caras, ainda por cima são eles que pagam nossas contas, nosso almoço, sua escola minha filha”. E apontava para mim com o gafo na mão e um sorrisinho malandro com um fiapo de carne entre os dentes. Pobre do bode expiatório aqui. Apesar da cara feia de minha mãe católica - no fundo daquela expressão malograda eu tenho absoluta certeza que ela consente com as afirmações canalhas do seu marido.
Ultimamente ele chegava mais tarde em casa.
(PAI) - (ansioso) - A violência aumentou muito na cidade, são os efeitos do progresso urbano, e proporcionalmente os nossos lucros. – Meu pai sempre tinha uma defesa com boas estatísticas. E terminou a frase dizendo que ia trocar de carro por um mais moderno. E ia comprar o baixo que tanto pedi. Aí e eu sorri. Poderia defender agora até homicidas. Brincadeirinha.
Então um dia minha mãe abriu sem bater a porta meu quarto. E lá estava uma adolescente em lágrimas escutando The Cure.
Sentou ao meu lado. Pegou minha mão e disse que ultimamente tinha visto um programa de TV onde entrevistaram um psicólogo famoso. Ele dizia que a adolescência era uma fase conturbada de intermediação para a vida adulta. Essa fase gerava muitos conflitos na cabecinha dos adolescentes. E era comum alguns terem quadro de tristeza e acabar fazendo besteiras. Ela queria dizer mesmo era depressão com tristeza e suicídio com fazer besteira. Mamãe é cheia de eufemismos. E terminou a explanação dizendo:
Mãe (doce)- Doralice, marquei uma consulta com um ótimo psicólogo que minha amiga me indicou. Quero dizer em primeira mão que você não é louca, mas como disse o cara da TV é preciso, às vezes, um acompanhamento de um terapeuta. Você pode ir? Já marquei a consulta. Tá bom minha gatinha?
Odiava quando mamãe me chamava no diminutivo. Sei que era carinhoso. Mas não sou mais uma criança. Sou apenas uma metamorfose ambulante cheia de conflitos.
Dei apenas um sinal afirmativo com a cabeça. Pedi pra ela sai e aumentei mais o volume de Boys Don`t cry.
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