Podemos ouvir os passos da morte subindo o mundo. Observamos, estáticos,
o horizonte. O grandioso, o sublime, o perfeito e mais forte dos medos outrora
tomava conta das civilizações. Agora não há mais o medo. Esperamos ansiosos a
sua chegada. Antes, criavamos odiosas criaturas para representá-la. Hoje, os
monstros que odiamos são exatamente os que nos querem impedir de morrermos de
uma vez, os que pretendem nos deixar vivos para sofrer os minutos e as horas.
Somos inimigos do sofrimento mas não o enfrentamos mais. O isolamos num pântano
escuro qual evitamos olhar para dentro. Colocamos placas de perigo e proibimos
as crianças de entrar. Tentamos seguir a vida e construímos cidades ao redor da
escuridão, é por isso que ela está à espreita sem nunca nos abandonar, sendo
carregada por nós rumo ao futuro. Um futuro que nos prometemos alegre e
pacífico. Eu vou lhes dizer o que fazer - tirem as placas e a cerca elétrica ao
redor do pântano. Guiem suas Ferraris ao abismo e admirem-no. Observem o fundo
do copo e sintam aquele odiar eterno inexplicável de tudo e todos - e da morte
inclusive. Sobrevoem o precipício com seus aeroplanadores. Sintam as explosões
estrelares megatômicas de dentro de seus telescópios. Que as criaturas
selvagens dos pântanos internos de cada um possam estar em liberdade para
sempre. E que selvagem não seja uma palavra ruim. Que o sexo seja selvagem. Que
desejemos que a morte não surja no horizonte, não agora. Que o absurdo da
existência prevaleça, apenas por amor ao absurdo. E que o amor seja escancarado.
Que sejamos fortes o suficiente para aprendermos a amar sozinhos, para poder
então amar a tudo com saudades - não somos pários para a morte. Depois, amar
alguém. E que esse alguém seja sintoma de que a vida ainda está.
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