Como planta daninha que se agarra despretensiosamente ao solo modificando a paisagem natural, saiu do Jacaré, em Barra do Corda, desbravando caminhos até alcançar São Luís, onde denunciou sua vida e a de milhares de famílias do interior do Maranhão sem deixar escapar o amarelo que queimava o verde e secava o azul, o colorido da cultura e a palidez do sofrimento que lavrava a terra árida de fome e seca por onde passava.
Do chão infecundo, fez brotar arte. Nunca aceitou sair de sua terra para viver uma cultura solitária avessa a sua natureza de homem simples. Suas mãos colhiam da natureza inspiração como raízes que buscam no âmago da terra os nutrientes necessários à sobrevivência. Indiferente ao dinheiro, o enriquecimento que desejava era intelectual e artístico, trabalhava pelo valor que a arte tinha pra si mesmo: a busca pela perfeição, no entanto, com ela pagava o leite e a boemia: nutria seus dez filhos, e quando dava, rematava a conta do bar.
Sobrevivente da seca castigado pelo sol, a escuridão tomou conta de seus dias. As madrugadas, companheiras de insônia, ouviam-no em silêncio, enquanto travava discussões com seus próprios pensamentos. No dia seguinte... prosas e poesias com o cheiro de terra através do olhar de um menino autodidata de nascença que crescera sob instrução de seus instintos, mas, sobretudo, de um artista nervoso que desafiou até a cegueira tateando pensamentos e redesenhando palavras, sementes essas lançadas no chão fértil de suas limitações criativas, esse era o Almeida: uma raiz amarga difícil de ser tragada, mas que se ramificava.
Aos 27 de maio deste ano completaria 89 anos, se não tivesse sido desentranhado da terra em Janeiro de 2009, a facão! Sua sede de viver era tamanha que teimou com a vida agarrando-se a cada sopro dos ventos até o silêncio pintar o leito de paz. Hoje, suas estirpes ainda permanecem entranhadas na terra que amou, ilustrou, pintou, xilografou... verdadeiras barrigudeiras espalhadas pela cidade, murais que deveriam ser tombados pelo valor histórico e cultural, testemunhas sol a sol do caminhar de um homem franzino e inquieto que germinou arte no Maranhão.
Alice Almeida, Nascimento
(Texto publicado no Jornal Pequeno revelando o descaso das obras do falecido Almeida pelo poder público, como o Painel em Azulejo do antigo Banco do Estado do Maranhão; murais no Parque do Bom Menino, dentre muitas outras obras.)
6 comentários:
Alice, sem duvidas, vc bebeu da fonte de seu avô e continua a irrigar essas terras...
diego (obrigado pelo texto)
rsrs...Diego, quando meu avô ficou cego, dedicou-se a escrever. Gravava tudo na mente p os netos, no dia seguinte, escrevê-lo.Nesse período germinou um livro que nem chegou a ser publicado (Vida a Ir), embora tenha sido reproduzido por um editora com erros grosseiros, por isso nunca o publicamos, mas seja nas letras, ou na paisagem há um legado dele, e de fato, em nosso sangue corre um pouco de sua arte.
Eu que agradeço!
Alice
Alice, conheci a obra do Antônio Almeida (seu avô) por meio do catálogo que o Banco do Estado do Maranhão (antigo BEM) organizou com fotos e uma pequena biografia dos principais artistas plásticos maranhenses. Na exposição da Mostra Brasil +500, houve uma segunda aproximação e informação.
E a cada vez que me deparo com a história dos artistas plásticos da nossa terra, vejo o quanto é difícil sobreviver e ser reconhecido com sua arte. A música ainda é capaz de ser reproduzida, massificada. A dança e o teatro se renovam a cada nova montagem. As artes plásticas não são reproduzidas. São únicas. E isso dificulta ainda mais o acesso quando não existem políticas públicas de difusão, preservação e incentivo.
O resgate dessa memória é algo que todos nós somos responsáveis. Eu tenho profunda preocupação quanto a isso e espero que consigamos executar projetos.
Albero Júnior, me emociono sempre quando entro em contato com alguém que conheceu meu avô, de uma forma ou de outra. Obrigada por suas palavras.Fico feliz em encontrar pessoas sensíveis às questões da arte no Maranhão.
Costumo dizer que as obras do meu avô compõem um museu a céu aberto, e de fato faltam políticas públicas que não só preservem as artes como trabalhe sua difusão e incentivo para novos artistas, mas ao invés disso, o poder público fala em uma modernidade, para mim perigosa, e foi assim que retiraram a logomarca da Caema, a rã com os peixes que simbolizavam pureza da água, criação também do Antônio Almeida, o que eu ironicamente chego a dizer “foi a gota d'água”. Como não há incentivos a cultura e valorização da arte, poucos sabem quem criou a logomarca, como quem desenhou o painel do antigo BEM, quem esculpiu o painel da antiga rodoviária, como do Parque do Bom Menino, e muitos outros painéis e obras abandonadas, e assim, sendo esquecido e desconhecido, é mais fácil de ser retirado do cenário, “modernizando” uma cidade que também é patrimônio histórico da humanidade.
É triste, mas é a realidade. Cabe a nós, eu você e quem o conheceu seja pessoalmente, seja através de amostras ou catálogos com suas obras, ou de uma conversa na mesa de um bar, manter sua memória viva, pois como bem dissestes, somos todos responsáveis pelo legado artístico e poético deixado por ele.
Abraços
Poxa que emocionante saber que faço parte da mesma terra que um cara como Antonio Almeida, como sempre digo seja como for a Arte deve sempre se perpetuar, mais um artista para que eu comente com meu filho quando estiver por ai falando das histórias dessa ilha mitica, enfim emocionante!
Natan Castro.
Natan,
outro dia recebi um depoimento, em meu blog, de uma pessoa, q não me recordo o nome, que cresceu indo comprar jornal na praça joão lisboa com o pai, e ficava impressionado com o mural de azulejo do antigo BEM (como alguém teria feito aquilo?!rs), e comentava que agora, adulto e pai, para o filho não se perder em tecnologias passou a fazer os mesmos passeios que o pai dele fazia com ele na infância, até se deparar com o abandono do mural.
Isso é lindo demais! E te vejo apresentando aos teus filhos histórias que desenham nossa cidade!Obrigada por incluir meu avó entre elas!!
Grande abraço!!!
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